Apocalipse para Discípulos Dissidentes
Reflexões sobre uma abordagem controversa do último livro da Bíblia
Para quem não sabe, estou ministrando aulas em uma especialização sobre Apocalipse pelo Seminário Teológico Central Bible. Isso significa que tenho passado boa parte deste ano mergulhado em obras sobre o último livro da Bíblia. Entre todas as leituras, mais recentemente terminei "Apocalipse para Discípulos Dissidentes", de Scot McKnight e Cody Matchett.
Vi vários comentários nas redes sociais dizendo que era uma obra "essencial" para quem queria entender o Apocalipse. Fiquei com aquela dúvida: será que isso é só marketing editorial ou o livro realmente entrega o que promete?
Só saberia lendo. Agora que terminei, posso dividir com você o que descobri – e por que esse livro me fez repensar muita coisa.
Comece pelo final 🤔
Logo de cara, os autores fazem algo inusitado: sugerem que comecemos a ler o Apocalipse pelo final, especificamente pelos capítulos 17 e 18. É ali que encontramos o conflito central entre Babilônia e Nova Jerusalém. Para McKnight e Matchett, essa é a chave interpretativa de todo o livro. Embora a descrição detalhada da Babilônia só apareça no fim, é justamente essa batalha atemporal entre dois modelos de sociedade que permeia todo o texto.
Aqui conseguimos identificar a linha interpretativa dos autores. Eles não aderem ao método "idealista" puro, nem são totalmente "preteristas". O que propõem é um "preterismo atemporal". Em outras palavras: o Apocalipse falou diretamente aos cristãos do primeiro século (Babilônia era Roma), mas sua mensagem simbólica transcende aquele momento histórico. Assim como as cartas de Paulo, o livro foi escrito para leitores específicos, mas carrega verdades atemporais para toda a Igreja.
Agora, precisamos desvendar o verdadeiro propósito dos escritores. Pensei: por que não aplicar a própria metodologia que eles ensinam? Se devemos começar o Apocalipse pelo final, por que não fazer o mesmo com o livro deles? Foi exatamente isso que fiz. E o resultado? Tudo se tornou cristalino quando declaram: "precisamos de discipulado, é disso que precisamos. Precisamos de discipulado político, é disso que precisamos." (p. 276)
O objetivo de McKnight e Matchett é claro: fazer com que os cristãos leiam o Apocalipse como uma ferramenta de discernimento crítico contra qualquer tipo de "império" contemporâneo. Mais que isso, querem que os evangélicos desenvolvam uma postura contracultural, identificando e denunciando o "espírito da Babilônia" que pode nos levar à idolatria.
O viés americano e suas limitações
Aqui surge uma das principais limitações da obra. Embora os autores não defendam partidarismo explícito, todos os capítulos são moldados para criticar especificamente o contexto político americano – particularmente o partido republicano, Donald Trump e a interpretação dispensacionalista do Apocalipse. Para eles, o grande problema é o "nacionalismo cristão" que se baseia na ideia constantiniana de unir igreja e Estado. Essa relação, argumentam, gera idolatria na igreja.
Se você não acompanha a política americana, pode perder boa parte das nuances da crítica. Os autores fazem uma análise feroz do eleitorado cristão republicano dos EUA, mas simplificam demais as complexidades políticas americanas. Atacam o "nacionalismo cristão" sem explicar adequadamente suas diferentes manifestações, muitas das quais não têm relação alguma com o dispensacionalismo.
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O livro está dividido em cinco partes bem organizadas, indo desde uma crítica contundente ao dispensacionalismo na primeira parte, passando por como identificar a Babilônia e sua influência, até chegar ao discipulado prático para "dissidentes" nos dias de hoje. Os autores definem o dissidente como "alguém que se posiciona contra a política oficial da igreja, da nação ou de ambos, que discorda do status quo com uma visão diferente para a sociedade."
É um conceito poderoso, mas que carrega também suas ambiguidades. Quando os autores definem dissidente como "alguém que imagina um futuro melhor e começa a incorporar esse novo mundo", logo trazem exemplos como Nelson Mandela e Martin Luther King. Essa escolha não é neutra. Revela uma compreensão específica de "dissidência" que se alinha com movimentos progressistas sociais.
Minha avaliação honesta
O livro tem aspectos excelentes. Realmente nos força a pensar sobre a relação entre fé e política – algo que no Brasil também precisamos discutir melhor. Se você é dispensacionalista e quer ouvir críticas consistentes à sua posição, a primeira parte oferece argumentos sólidos. Como Scot McKnight é professor de Novo Testamento, o livro está bem atualizado com a pesquisa contemporânea sobre o Apocalipse. Os autores conseguiram tornar temas complexos acessíveis ao público geral, especialmente no capítulo sobre imaginação, que é simplesmente magistral.
Mas também há o que me incomodou. Embora não defendam partidarismo explícito, a crítica feroz a apenas um lado do espectro político americano fica evidente. É "não partidário" apenas no sentido de não apoiar explicitamente democratas, mas toda a articulação se volta contra republicanos. Os autores promovem um discipulado "ativista político, mas não partidário" que soa mais como idealismo progressista disfarçado. O "profetismo" que propõem para os discípulos é, na prática, um progressismo político disfarçado de não partidarismo.
Vale a pena ler?
Sim, definitivamente vale a pena ler. Mas com discernimento. Este não é "o livro fundamental para entender o Apocalipse" como alguns afirmam. É uma obra que nos ajuda a pensar politicamente a partir do Apocalipse, mas com um objetivo muito específico: gerar um olhar crítico contra certas interpretações dispensacionalistas e certas posturas políticas conservadoras.
Se você quer uma introdução acessível ao Apocalipse que o faça questionar suas próprias pressuposições políticas e teológicas, este livro cumprirá bem esse papel.
🧠 Processando na mente
📕 O que estou lendo:
A leitura Sintópica - Mortimer Adler
Ontem retomei especificamente a última "regra" de leitura proposta por Mortimer Adler em seu livro "Como Ler Livros". Como havia algum tempo que não revisitava a obra e estava organizando algumas das minhas ideias, resolvi consultar novamente suas orientações.
🎵 O que estou ouvindo:
Novo álbum de Thales Roberto
🎬 O que estou assistindo:
Vídeo que me inspirou a retomar a leitura de "Como Ler Livros".
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Victor Romão.
Interessante pensar apocalipse por uma abordagem “política”, e fazer essa transposição para pensar o cenário brasileiro é importante. Vou colocar na lista de leitura hehe